terça-feira, 12 de maio de 2020

'É uma guerra', diz enfermeira potiguar que se mudou de casa para proteger a mãe do coronavírus

Por Leonardo Erys, G1 RN

A enfermeira Maryane Andrea Silva precisou deixar a casa onde morava com a mãe de 72 anos assim que os casos de coronavírus começaram a surgir em Natal, no mês de março. Trabalhando em dois hospitais diariamente, ela se mudou para a casa de uma irmã para proteger a mãe, que, além de idosa, é hipertensa e infartou no ano passado. "Ela é de um grupo de risco extremo com essas duas comorbidades, além da idade", explicou a enfermeira.

Nesta terça-feira (12) é comemorado o Dia Mundial da Enfermagem.

A irmã, por sua vez, para não deixar a mãe só, foi para a casa dela. Assim, Maryane passou a viver sozinha no apartamento e mudou completamente a rotina para não atingir seus familiares. Hoje, o único encontro com a mãe que ela tem é quando vai deixar as compras do supermercado e abaixa o vidro do carro para acenar da rua.

"Não entro em contato com ela, não abraço. Tem mais de um mês que não toco nela. E é bem complicado, porque minha mãe sempre foi muito carinhosa. Sempre pedi a bênção, dei beijo. Por isso ela sente, os filhos também. Muitas vezes dá vontade de chorar, mas sabemos que é o melhor a se fazer", falou Maryane.

A enfermeira trabalha na UTI do Hospital Regional Doutor Deoclécio Marques de Lucena, em Parnamirim, e na enfermaria do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL). Nos setores em que atua, apenas no HUOL houve casos suspeitos, mas nenhum confirmado até o momento. "Mas os casos vão chegar nos dois ambientes, até porque já há lotação dos leitos dos hospitais de referências", frisou.

Por isso, ela teve o cuidado de se antecipar à possibilidade de contágio na família. E não foi uma decisão fácil - ela também precisou parar de ver o seu cachorro de estimação.

"Para mim é bem difícil não ter contato com mais ninguém. Nem é o fato de estar só em casa. Mas eu não saio mais para caminhar, porque tem muita gente na rua. É um momento muito individualista, que tenho visto mais filmes, lido mais livros. Mas sinto muita falta da vida social como um todo. Hoje se resume apenas ao trabalho, em que as conversas se restringem à situação atual", falou.

Atuante no dia a dia de dois hospitais, Maryane diz que não chamaria de medo o que sente em relação ao trabalho contra o coronavírus, mas de ansiedade. A enfermeira diz que tanto o Deoclécio Marques quanto o HUOL estão bem preparados para lidar com a doença no que diz respeito à proteção do profissional.

"A partir do momento em que fomos fazendo treinamento, cursos à distância, chegando alguns materiais de EPIs, um aparelhamento nas unidades, isso foi dando uma tranquilidade. Mas óbvio que a gente fica torcendo para não chegarem casos", falou.

'A população também precisa ser heroína'

Ultimamente, os profissionais da saúde têm sido tratados como heróis no combate à Covid-19. Para a enfermeira, essa definição é justa principalmente se pensar em algumas unidades de saúde que não possuem o aparelhamento correto e sofrem com falta de EPIs. "Somos heróis talvez pela questão do SUS, de algumas unidades sem o aparelhamento correto, apesar de que os que eu trabalho estão bem aparelhados", pontuou.

Apesar disso, Maryane cita que há espaço para muitos outros heróis nesse momento de evitar a propagação do contágio do coronavírus. "A população também precisa ser heroína. Se continuar do jeito que está, os heróis vão morrer doentes. Se ficar um doente, vai infectar vários outros profissionais. Todo mundo tem a sua parcela de responsabilidade", falou.

"O heroísmo vêm de todo cidadão, aquele que está em casa também é herói, porque está sofrendo, alguns perderam o emprego, estão sem ver os pais. A população tem sua parcela de heroísmo".

Ela lamenta que muita gente ainda não tenha percebido a gravidade da situação e não esteja respeitando as medidas preventivas de isolamento social.

'As outras doenças não pararam'

A enfermeira acredita que muitos só vão notar o poder da doença quando tiverem algum caso próximo, o que pode prejudicar e muito a situação dos leitos das unidades de saúde. "Muitos que não estão acreditando só vão saber quando acontecer com alguém próximo. E a gente já sabe como está a situação de vagas, quantos leitos estão disponíveis", disse.

"Às vezes as pessoas pensam que tudo no hospital, que todos os leitos e atendimentos são para a Covid-19. Mas as outras doenças continuam, elas não pararam não. Os infartos, a violência com arma de fogo, arma branca, acidentes, a piora em situações de diabéticos, tudo isso acontece ainda".

Lidar com tudo isso faz parte de um processo difícil.

"Há uma questão de ansiedade, porque eu acho que é uma guerra. É vida e morte. A partir do momento em que eu estou ali com um paciente positivo para Covid-19, você sabe que ali está algo que trata entre a vida e a morte. E me distanciar da família faz parte disso, é uma forma de deixá-la menos exposta", falou.

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